A Morte de Tupac Amaru II

A derrota dos incas e a resistência aos novos senhores políticos

Autor(a): Luis Guilherme Kalil

E-mail: lgkalil@yahoo.com.br

 

A Morte de Tupac Amaru II

 

`(...) Ataram-lhe às mãos e pés quatro cordas e prenderam-nos ao dorso de quatro cavalos (...). Não sei se porque os cavalos não fossem muito fortes, ou o índio, em realidade, fosse de ferro, não puderam absolutamente dividi-lo, depois de um interminável momento em que o mantiveram puxando, de modo que o tinham no ar, num estado em que aprecia uma aranha. Tanto que o visitador, movido de compaixão, para que não padecesse mais aquele infeliz, despachou uma ordem mandando que o carrasco cortasse sua cabeça, como se executou (...) Desse modo, acabaram José Gabriel Tupac Amaru e Micaela Bastidas. (...) Neste dia compareceu (à praça) um grande número de gente, mas ninguém gritou nem levantou uma voz (...). Sucedem algumas coisas que parece que o diabo as trama e dispõe, para confirmar os índios em seus presságios e superstições. Digo isto porque, tendo feito um tempo muito seco, e dias muito serenos, aquele amanheceu tão nublado que não se viu a cara do sol, ameaçando chover em todas as partes; e, à hora das doze, em que estavam os cavalos estirando o índio, levantou um tremendo vendaval, e atrás dele um aguaceiro que fez com que toda a gente, e ainda os guardas, se retirasse a toda pressa. Isto levou os índios a dizer que o céu e os elementos sentiram a morte do Inca, que os espanhóis inumanos e ímpios estavam matando com tanta crueldade.`


Fonte: Kátia Gerab e Maria Angélica Campos Resende. A Rebelião de Tupac Amaru - luta e resistência no Peru do século XVIII. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987. PP. 40 - 41.

 


A citação acima foi retirada de um informe oficial que descreve a execução de José Gabriel Condorcanqui Tupac Amaru, ocorrida em 1781. Mestiço descendente da nobreza incaica que exercia o posto de cacique na região de Tinta, Tupac liderou um movimento que combatia o trabalho forçado dos indígenas por meio da mita e das obrajes (manufaturas têxteis). A princípio, as reivindicações foram feitas através de instrumentos legais, o que demonstrava a confiança nas instituições espanholas. Sem sucesso, alguns indígenas decidem, em 1780, organizar uma revolta armada que se espalhou rapidamente pela região peruana, chegando a contar com dezenas de milhares de integrantes. Os revoltosos cercaram a cidade de Cuzco durante meses, porém, não conseguiram penetrá-la. Com o apoio de alguns caciques, dos criollos e da Igreja Católica (que determinou a excomunhão dos participantes do movimento, o que diminui drasticamente o número de adesões), a Coroa Espanhola conseguiu prender alguns dos principais líderes, como Tupac Amaru e sua esposa, Micaela. As prisões não determinaram o encerramento das revoltas, o que ocorreu apenas em 1783.

 


Sugestões de Atividades:A rebelião de Tupac Amaru pode ser utilizada como ponto de partida para a análise da condição dos indígenas peruanos durante o período colonial, principalmente em questões como o trabalho forçado nas minas de Potosí, e nas obrajes.


A reação ao movimento também poderá estimular questões sobre os limites e a memória da conquista. A decisão da Coroa Espanhola de proibir manifestações que remetessem ao período pré-colombiano (como o uso de vestimentas tradicionais, a prática ritos e a utilização do quéchua) demonstra a persistência de elementos da cultura incaica centenas de anos após o fim do Império. A esse respeito, Gerab e Resende afirmam que: `Não podemos negar que, mesmo quase três séculos após a conquista, a memória da civilização incaica continuava presente em todos os aspectos da vida indígena, e que este passado despertava um sentimento de união e resistência, extremamente ameaçador frente ao domínio externo, que se estabeleceu a partir da chegada dos espanhóis. O título de Inca, usado por Tupac Amaru, que o identificava como descendente direto da nobreza incaica, conferia-lhe um respaldo que fortalecia sua atuação como líder indígena. As próprias autoridades espanholas não desprezavam o poder de sedução que esse passado exercia sobre os índios, e as medidas repressivas, tomadas pela Coroa, no sentido de apaziguar os ânimos exaltados pela rebelião e apagar definitivamente a memória incaica, reforçam esta afirmação` (1987, p. 65).


O professor poderá também retomar esta questão ao estudar os movimentos de independência da América Espanhola, quando a revolta de Tupac Amaru passa a ser vista por alguns escritores como um `ensaio` da emancipação. Entretanto, as fontes do período não indicam intenções de independência no movimento. Outra possibilidade é a pesquisa a respeito dos movimentos de esquerda latino-americanos que, no século XX, retomaram a rebelião a partir de um viés de luta pelos oprimidos que resistiam à exploração das metrópoles.